domingo, 3 de agosto de 2008

Vivido sobre a areia
Autora: Rosane Preciosa Sequeira.
Revista Interface -- Comunic, Saúde, Educ 6, fevereiro, 2000.
Artigo original e com as imagens acesse o link: http://www.interface.org.br/
"toda a existência é construída sobre a areia,
a morte é a única certeza que temos."
Michel Onfray
- Mas o que a senhora está sentindo?
- Eu sou muito infeliz.
O médico diagnosticou um enfisema pulmonar, mas sua dor era brutal. O corpo, um oco desvalido, quase mineral, retraindo-se. Diante do risco de viver, o jeito talvez fosse liqüefazer a carne,distanciar-se para sempre dessa imperiosa força de existir, que teimava. E o corpo ainda insistia em recitar sua desconjuntadasintaxe e se debatia decidido contra aquela prisão incompreensível. Afinal, era um corpo abatido, mas ativo,desejando recobrar uma música sutil, quase inaudível, cheia de chiados e tão exemplarmente sua.
A ressurreição do corpo
Foi numa sala crua e muito fria. Seu corpo buscava um lugar de
desabafo expressivo que pudesse abrigar seus naturais barulhos.
Conectada a uma maquinaria inteligente, pronta para registrar os
batimentos do coração, sua voz pôde jorrar pura no espaço,
ecoando uma canção de órgãos. E a sala vibrou em sons
articulados que desenhavam diagramas de vida, passados,
presentes, futuros. Naquele instante, a carne se reconciliava com
a existência, esculpindo um tempo outro para aquele corpo
violentamente doente, impondo sua singular resistência,
inventando toda a saúde que lhe faltava.

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