terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

...é o ato que engendra poesia...

Caminhando. Lygia Clark. 1963.

Inspirações...


"São bem poucos os que operam nesse muro ou nesse limite esquizofrênico aquilo que Laing denomina transpassagem: “gente comum”, todavia... Em sua maioria, eles se aproximam do muro e recuam, horrorizados. Melhor recair sob a lei do significante, ser marcado pela castração, triangulado em Édipo. Com isso, portanto, eles deslocam o limite, fazem-no passar para o interior da formação social, entre a produção e a reprodução sociais, que eles investem, e a reprodução familiar sobre a qual eles assentam todos os investimentos. Fazem passar o limite para o interior do domínio assim descrito por Édipo, entre os dois pólos de Édipo. Não param de involuir e de evoluir entre estes dois pólos. Édipo como último rochedo, e a castração como alvéolo: mais vale uma última territorialidade, ainda que reduzida ao divã do analista, do que os fluxos descodificados do desejo que fogem, correm e nos arrastam sabe‑se lá para onde? A neurose é isto, deslocamento do limite para guardar para si próprio uma pequena terra colonial. Mas outros querem terras virgens, realmente mais exóticas, famílias mais artificiais, sociedades mais secretas que eles desenham e instituem ao longo do muro, nos lugares de perversão. Outros, ainda, enojados da utilidade doméstica de Édipo, mas também dos gêneros vendáveis e do esteticismo perverso, atingem o muro e pulam sobre ele, às vezes com extrema violência. Então, eles se imobilizam, calam-se e se redobram sobre o corpo sem órgãos, ainda uma territorialidade, mas desta vez totalmente desértica, na qual toda a produção desejante para ou cristaliza, finge parar: é a psicose. Corpos catatônicos que caíram no rio como chumbo, imensos hipopótamos fixos que não mais voltarão à superfície. Confiaram com todas as suas forças no recalcamento originário para escapar ao sistema repressão‑recalcamento que fabrica os neuróticos. Mas uma repressão ainda mais nua se abate sobre eles e os identifica ao esquizo de hospital, o grande autista, entidade clínica a quem “falta” o Édipo."
DELEUZE, G. GUATARRI, F. Passagem contida em o Anti édipo (p.161 do orig. Anti édipo).

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Estranhezas de um dia. (escrito em 22/12/2008)

Estranhezas de um dia. Hoje chove bem em são Paulo, novamente, pinto as paredes que ainda me demandam tinta, nesta casa em plena transição... Para onde caminhamos ela e eu? Não sei bem. Coloquei-me na janela...

Ela olha a chuva começar a cair na janela, seu corpo-chuva respinga gotas de memórias que escapam pelos poros da pele. Misturam-se o suor do esforço que empreende para pintar paredes e as gotas d’água geladas que respingam...um banho de chuva na janela, ela pensa. Por instantes, as gotas agitadas encontram outras gotas e, simultaneamente, o Rio, São Paulo e Porto Alegre chovem.
O cheiro da chuva. O cheiro dele. Uns pêlos tocando-lhe o rosto. Arranhando a pele debaixo do guarda-chuva preto naquela viela de paralelepípedos. Uma rede amarela se balança contra o vento forte que carrega a chuva acompanhada de Elvis... A chuva fustiga a janela e seus olhos observam os passantes na rua, correm a atravessar o farol que insiste em não fechar a tempo, tempo de passar... passam. Teriam eles passado o farol? A sinaleira? O semáforo? Teriam eles arriscado dizer...que diziam?que dirão da chuva que não cessa de cair? Teremos alagamentos? Teremos a represa com água para abastecer a cidade nos próximos meses?
Ela olha a chuva e os raios pela janela. Seus olhos azuis e o cinza das nuvens parecem se confundir, onde começa um, onde termina o outro... que diziam? Que diziam quando as mãos soltas buscavam-se um adeus...que diziam eles... a água invade por todos os lados do vitrô antigo, escorrem gotas pela parede recém pintada... para onde seguem esses rios... fariam baía, Ah! baía querida, que é que guardas para mim? Que peixes poderia colher nesta manhã ensolarada? Que peixes esses homens trazem para seu bico-mulher, bico-ave...
Um corpo-chovendo, um corpo chovendo ele, ela, a janela. Um corpo que chove a presença, as contaminações de outras peles, que chove... pele que enxágua os olhos azuis que escorrem pelos poros rio adentro. Que caminhos traçam, trançam ele-ela? As flores pequeninas da primavera, lilases, rosas, brancas enfeitam os cabelos da cidade-ela nos olhos dele... insistências de um amor...
Não há escolhas possíveis, as combinatórias da chuva-ela multiplicam-se nos vidros daquela tarde de nuvens carregadas e trovões, os raios atravessam os céus, as terras, as peles, fazem de cada trovoada um caminho... cada choque dos átomos, um caminhar... que caminhos traçam, trançam ele-ela? Chove nas células do corpo dela, chovem raios de sol em seu corpo-ele, ruínas de uma vida... erosões de um corpo... a chuva castiga o terreno... as mãos dele desenham notas nas cordas do violão, respiros de uma musculatura tão sem ar...
Ele, a janela, lágrimas, ela desce as escadas e por instantes chove entre eles. Chove pelo meio de uma sala, inundando, transbordando, carregando-os com violência na correnteza de um dia. Um dia que escapa no minuto em que ela desce a escada. Ele-ela, a chuva, o beijo sob o cinema antigo. Chove entre eles. E a chuva os carrega pela correnteza de uma noite. Os músculos dançam em suas mãos, a água inunda os corpos, vazar das peles, bombear de represas... a água arrebenta diques e corre livre pelo meio, faz caminho... percorrer...
Respiros de uma vida tão sem ar. Respiros de poros tão secos, tão desérticos... a água lhes cai bem... fecunda a vida. A chuva cai forte, ela, a janela, lágrimas. Ele desce as escadas. Chove entre eles. A porta se fecha e não há mais o que dizer, o rosto encosta-se à fechadura, lágrimas de primavera. Nascem flores no corrimão. Margaridas percorrem o chão daquela tarde chuvosa. O cachorro, o homem, as caixas se foram. E chove forte, barulhando-se os vidros com gotas de uma tarde. Sob o guarda-chuva azul ela caminha São Paulo em seus pés. Ele segura forte as mãos dela, ao volante dirigem sem saber o rumo... sem saber por onde seguir... sem saber o que lhes aconteceu. Que dizem aqueles olhos? Que sussurram os lábios dele-dela mergulhados no pote d’agua da madrugada? Por onde escorrem aquelas gotas que escapam pela veneziana da janela inundada de chuva?
Ele. Ela. Tantos degraus daquela escada, aquele corredor espremendo o tempo, escorriam lágrimas de um viver... chovia. Chovia naquelas peles que se teciam outras a cada toque, a cada úmido resvalo de um no outro. Chovia e a água secava aquela madrugada. Os pássaros na janela anunciavam o raiar da noite estrelada por vir. Que desenhos as estrelas fariam? Que bússolas seguir em mar profundo? Navegantes! Atenção. A maré vai subir. Que caminhos traçam, trançam ele-ela?

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Respire comigo...

“Agora eu conheço este grande susto de estar viva,
tendo como único amparo
exatamente
o desamparo de estar viva.”

Clarisse Lispector

domingo, 8 de fevereiro de 2009

n potências.

Compartilhando a experiência do Coletivo de Rádio Potência Mental.
Porto alegre - Brasil.

http://www.youtube.com/watch?v=m5Lv-NxeoJs&feature=channel

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Encontros com Augusto Boal

FÓRUM SOCIAL MUNDIAL, janeiro de 2009
Augusto Boal: Fala de Belém, Pará(enviado a todos os Deputados Federais, pelo Portal da Câmara de Deputados,"Participação Popular", sob protocolo n. B49C100561561)
A mídia costuma publicar só o que é espetacular, sensacional, mesmo que tenha de esconder a verdade. Hoje, fala-se mais da cor da pele de Barack Obama do que do seu projeto político, como ontem se falou mais dos seios da Carla Bruni do que das idéias direitistas do seu marido Sarkozy.A mídia tem dono e reflete as opiniões do proprietário.O Fórum Social Mundial não tem dono e deve refletir as nossas opiniões.Foro, Fórum, significa etimologicamente "a praça pública", onde se pode discutir livremente. Este nosso Foro é mundial e deve, portanto, discutir os assuntos do mundo.Temos de saudar o fim da era Bush e seus parceiros, mas ficar atentos à nova era que começa. Aplaudir os primeiros atos de Barack Obama, mas analisá-los com cuidado. Aplaudir sua decisão de fechar Guantânamo, mas lembrar que isso não basta: é necessário restituir Guantânamo ao seu legítimo dono, que é o povo cubano. Aplaudir a ordem de acabar com a tortura, mas lamentar que os torturadores não sejam punidos por esse crime de lesa-humanidade e continuem nos seus postos de comando. Aplaudir o desejo do novo presidente em dialogar com todos os países, mas explicar que não queremos, como ele promete ou ameaça, não queremos ver o seu país liderando o mundo - essa tarefa não compete nem aos Estados Unidos nem ao Paraguai, mas sim à Organização das Nações Unidas que para isso foi criada e tantas vezes tem sido desrespeitada pelo país de Barack Obama.O Fórum é social, e temos que falar do genocídio dos palestinos. Temos que separar, de um lado, o cruel governo de Israel e, de outro, as centenas de milhares de judeus que com ele não concordam. Não devemos cometer a injustiça que se fez com os alemães, pensando que todos fossem nazistas, quando muitos morreram lutando contra Hitler e seus asseclas.Milhares de judeus, dentro e fora de Israel, condenam e se envergonham do que fez e faz o seu governo, que representa tão somente aqueles que o elegeram, mas não o judaísmo. Dentro de Israel existem organizações como a dos Combatentes Pela Paz, de Chen Allon, que condenam a invasão e denunciam seus crimes. Tenho orgulho de dizer que, para isso, usam o Teatro do Oprimido, dentre outras formas de combate.No Oriente Médio já se inverteu a distribuição de papéis: se, ontem, Israel foi o pequenino David, hoje é o gigante Golias, filisteu. O novo Golias, apoiado pelos Estados Unidos, em 22 dias matou mais de 300 crianças e centenas mulheres e homens, civis ou combatentes. Eu chorei vendo a fotografia de um menino, um pequenino David palestino, jogando pedras contra um tanque de guerra. Se a lenda de David e Golias, ontem, foi apenas lenda, a história de Golias e David, hoje, é triste realidade: os 1.300 mortos ainda estão sendo retirados dos escombros, sem as solenes pompas fúnebres dos 13 soldados israelenses. O Fórum e o mundo não podem esquecer esse crime antes mesmo de que sejam enterradas suas vítimas.Nosso Fórum é pluralista e deve se manifestar contra o colonialismo italiano que ofende a nossa soberania, que tenta interferir nas decisões da nossa Justiça, como está sendo o caso da concessão de asilo a Cesare Battisti. Existe uma lei brasileira que proíbe a extradição de pessoas condenadas em seus países à pena de morte ou à prisão perpétua. É este o caso, é esta a lei! O ministro Tarso Genro apenas cumpriu a lei – a lei brasileira. O presidente Lula foi claro explicando aos italianos as sólidas bases da nossa decisão, mas parece que eles não entenderam, nem disso são capazes. Por quê?A Itália, que foi o berço do fascismo e deveria ser também a sua sepultura, mostra agora que a ideologia colonialista ainda está viva e pretende anular decisões soberanas do Brasil, invadindo o nosso Judiciário e querendo nos ensinar a diplomacia da obediência e da submissão. Temos que repudiar essa ofensa e libertar o prisioneiro!Nosso Fórum é social e a economia, também. A maioria dos países que estão em crise, ou dela se aproximam, sempre disseram não ter dinheiro para melhorar a Educação, a Saúde, a Previdência Social. De repente, para socorrer seguradoras, bancos e montadoras, esses governos descobriram que tinham bilhões e trilhões de dólares, euros, ienes e libras. Nosso Fórum tem a obrigação moral de interrogar os senhores da Davos: de onde veio esse dinheiro? Quem os escondia? Quanto sobrou? Onde estão?O nosso Fórum Social também é brasileiro e é camponês: devemos saudar o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, MST, que é o mais democrático e bem organizado movimento de massas que o Brasil já teve, e que completa agora 25 de lutas pela terra, luta que continua.O Fórum Social Mundial não é daqueles que dizem Hay Gobierno? Soy en contra, e porque assim não é, deve se alegrar por receber tantos presidentes de tantas Repúblicas sulamericanas juntos neste evento: Evo, Correa, Kirchner, Chavez, Lugo e Lula. Nunca se viu fraternidade igual. Queremos agora ver os resultados concretos dessa irmandade.Devemos, muito cordialmente, lembrar aos nossos presidentes que a Política não é a arte de fazer o que é possível fazer, mas sim a arte de tornar possível o que é necessário fazer!Caminhar não é fácil! As sociedades se movem pelo confronto de forças, não pelo bom senso e justiça. Temos que avançar e, a cada avanço, avançar mais, na tentativa de humanizar a Humanidade. Não existe porto seguro neste mundo, porque todos os portos estão em alto mar e o nosso navio tem leme, não tem âncoras. Navegar é preciso, e viver ainda mais preciso é, porque navegar é viver, viver é navegar!Eu sou homem de teatro e não posso deixar de falar de Arte e Cultura quando falo de Política, porque a Política é uma Arte que a Cultura produz.Temo que, mesmo entre nós, muita gente ainda pense em arte como adorno, e nós dizemos: não é! A Palavra não é absoluta, Som não é ruído, e as Imagens falam. São esses os três caminhos reais da Estética para o entendimento: a palavra, o som e a imagem. São também os canais de dominação, pois estão os três nas mãos dos opressores, não dos oprimidos: a Palavra dos jornais, o Som das rádios, as Imagens da TV e do cinema estadunidense dominam nossos meios de comunicação e invadem nossos cérebros com seu pensamento único, seus projetos imperiais e suas mercadorias.Acabou-se o tempo da inocência. O tempo da contemplação já não é mais. Temos de agir!Palavra, imagem e som, que hoje são canais de opressão, devem ser conquistados pelos oprimidos como formas de libertação. Não basta consumir Cultura: é necessário produzi-la. Não basta gozar arte: necessário é ser artista! Não basta produzir idéias: necessário é transformá-las em atos sociais, concretos e continuados.A Estética é um instrumento de libertação.Eu felicito o nosso Ministério da Cultura, pela criação de mais de mil Pontos de Cultura no Brasil inteiro, nos quais o povo tem acesso não só à Cultura alheia, mas aos meios de produzir sua própria Cultura sem servilismos, sua Arte sem modismos, porque entendemos que Arte e Cultura são formas de combate tão importantes como a ocupação de terras improdutivas e a organização política solidária.Sonho com o dia em que no Brasil inteiro, e no inteiro mundo, haverá em cada cidade, em cada povoado ou vilarejo, um Ponto de Cultura onde a cidadania possa criar e se expressar pela arte, a fim de compreender melhor a realidade que deve transformar.
Nesse dia, finalmente, terá nascido a Democracia que, hoje, só existe em Fóruns como este!Ser cidadão, meus companheiros, não é viver em sociedade: é transformar a sociedade em que se vive!Com a cabeça nas alturas, os pés no chão, e mãos à obra!
Muito obrigado.