sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Estranhezas de um dia. (escrito em 22/12/2008)

Estranhezas de um dia. Hoje chove bem em são Paulo, novamente, pinto as paredes que ainda me demandam tinta, nesta casa em plena transição... Para onde caminhamos ela e eu? Não sei bem. Coloquei-me na janela...

Ela olha a chuva começar a cair na janela, seu corpo-chuva respinga gotas de memórias que escapam pelos poros da pele. Misturam-se o suor do esforço que empreende para pintar paredes e as gotas d’água geladas que respingam...um banho de chuva na janela, ela pensa. Por instantes, as gotas agitadas encontram outras gotas e, simultaneamente, o Rio, São Paulo e Porto Alegre chovem.
O cheiro da chuva. O cheiro dele. Uns pêlos tocando-lhe o rosto. Arranhando a pele debaixo do guarda-chuva preto naquela viela de paralelepípedos. Uma rede amarela se balança contra o vento forte que carrega a chuva acompanhada de Elvis... A chuva fustiga a janela e seus olhos observam os passantes na rua, correm a atravessar o farol que insiste em não fechar a tempo, tempo de passar... passam. Teriam eles passado o farol? A sinaleira? O semáforo? Teriam eles arriscado dizer...que diziam?que dirão da chuva que não cessa de cair? Teremos alagamentos? Teremos a represa com água para abastecer a cidade nos próximos meses?
Ela olha a chuva e os raios pela janela. Seus olhos azuis e o cinza das nuvens parecem se confundir, onde começa um, onde termina o outro... que diziam? Que diziam quando as mãos soltas buscavam-se um adeus...que diziam eles... a água invade por todos os lados do vitrô antigo, escorrem gotas pela parede recém pintada... para onde seguem esses rios... fariam baía, Ah! baía querida, que é que guardas para mim? Que peixes poderia colher nesta manhã ensolarada? Que peixes esses homens trazem para seu bico-mulher, bico-ave...
Um corpo-chovendo, um corpo chovendo ele, ela, a janela. Um corpo que chove a presença, as contaminações de outras peles, que chove... pele que enxágua os olhos azuis que escorrem pelos poros rio adentro. Que caminhos traçam, trançam ele-ela? As flores pequeninas da primavera, lilases, rosas, brancas enfeitam os cabelos da cidade-ela nos olhos dele... insistências de um amor...
Não há escolhas possíveis, as combinatórias da chuva-ela multiplicam-se nos vidros daquela tarde de nuvens carregadas e trovões, os raios atravessam os céus, as terras, as peles, fazem de cada trovoada um caminho... cada choque dos átomos, um caminhar... que caminhos traçam, trançam ele-ela? Chove nas células do corpo dela, chovem raios de sol em seu corpo-ele, ruínas de uma vida... erosões de um corpo... a chuva castiga o terreno... as mãos dele desenham notas nas cordas do violão, respiros de uma musculatura tão sem ar...
Ele, a janela, lágrimas, ela desce as escadas e por instantes chove entre eles. Chove pelo meio de uma sala, inundando, transbordando, carregando-os com violência na correnteza de um dia. Um dia que escapa no minuto em que ela desce a escada. Ele-ela, a chuva, o beijo sob o cinema antigo. Chove entre eles. E a chuva os carrega pela correnteza de uma noite. Os músculos dançam em suas mãos, a água inunda os corpos, vazar das peles, bombear de represas... a água arrebenta diques e corre livre pelo meio, faz caminho... percorrer...
Respiros de uma vida tão sem ar. Respiros de poros tão secos, tão desérticos... a água lhes cai bem... fecunda a vida. A chuva cai forte, ela, a janela, lágrimas. Ele desce as escadas. Chove entre eles. A porta se fecha e não há mais o que dizer, o rosto encosta-se à fechadura, lágrimas de primavera. Nascem flores no corrimão. Margaridas percorrem o chão daquela tarde chuvosa. O cachorro, o homem, as caixas se foram. E chove forte, barulhando-se os vidros com gotas de uma tarde. Sob o guarda-chuva azul ela caminha São Paulo em seus pés. Ele segura forte as mãos dela, ao volante dirigem sem saber o rumo... sem saber por onde seguir... sem saber o que lhes aconteceu. Que dizem aqueles olhos? Que sussurram os lábios dele-dela mergulhados no pote d’agua da madrugada? Por onde escorrem aquelas gotas que escapam pela veneziana da janela inundada de chuva?
Ele. Ela. Tantos degraus daquela escada, aquele corredor espremendo o tempo, escorriam lágrimas de um viver... chovia. Chovia naquelas peles que se teciam outras a cada toque, a cada úmido resvalo de um no outro. Chovia e a água secava aquela madrugada. Os pássaros na janela anunciavam o raiar da noite estrelada por vir. Que desenhos as estrelas fariam? Que bússolas seguir em mar profundo? Navegantes! Atenção. A maré vai subir. Que caminhos traçam, trançam ele-ela?

Nenhum comentário: